"Transposição do São Francisco não democratiza a água no Semiárido"
Obra mais cara do
Programa de Aceleração do Crescimento, o projeto de integração do rio São
Francisco acumula anos de atraso. As obras foram iniciadas em 2007, com o
objetivo de levar água para 390 municípios do semiárido nordestino, mas as
previsões de entrega do eixo norte (em 2010) e do eixo leste (2012) não se
concretizaram. Hoje, a transposição segue sendo uma zona desconfortável para o governo
federal, que sofre críticas não apenas pelo atraso, mas pela realização da
obra.
O governo reconhece
os problemas. Neste mês, em visita ao município de Jati, no Ceará, a presidenta
Dilma Rousseff afirmou que o governo
subestimou a complexidade do projeto, mas afirmou que "em nenhum lugar do
mundo em dois anos é feita uma obra dessa dimensão". Dilma prometeu a finalização do projeto até
2015.
Especialistas, no
entanto, questionam o tamanho do investimento, que era da ordem de 4,8 bilhões
de reais, mas hoje já está na casa dos 8,2 bilhões de reais, segundo
o Ministério da Integração Nacional. "É uma obra quase megalomaníaca,
grandiosa demais, que passa por cima de comunidades indígenas, comunidades
tradicionais, de agricultura familiar e que favorece em grande parte os grandes
produtores", diz Naidison Baptista, coordenador da Articulação
Semiárido Brasileiro (ASA), rede que reúne organizações da sociedade civil
voltadas para o semiárido. "Ela não é uma obra de democratização da água,
é mais uma obra de concentração da água", critica.
O objetivo da obra
também é alvo de polêmica. Para Baptista, a ideia de beneficiar comunidades e
famílias do semiárido poderia ser alcançada com obras menores. "As cidades
que têm colapso em época de estiagem poderiam ser abastecidas com adutoras
(encanamentos que ligariam o Rio São Francisco às comunidades), uma obra de
muito menos complexidade e menos custo", afirma ele. Baptista afirma que parte do benefício
da transposição irá para o a agronegócio. "Ela é voltada para os grandes
produtores de fruticultura para exportação. Principalmente no eixo norte, são
poucas as cidades abastecidas."
Segundo ele, o que
deveria ocorrer no semiárido é a chamada "convivência com a seca". Um
dos carros chefes dessa campanha é o Programa Um Milhão de Cisternas,
coordenado pela ASA, chefiada por Baptista, e iniciado no governo Lula em 2003.
O objetivo é dar uma cisterna para cada família do semiárido. As cisternas são capazes de armazenar
16 mil litros de água de água captados durante os períodos de chuva, que
poderão ser utilizados durante a estiagem. A meta do governo é entregar 750 mil
cisternas até o final do ano, quando se encerra o mandato de Dilma Rousseff.
Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Social, atualmente já foram
entregues 600 mil cisternas e o projeto constrói, em média, 1 mil cisternas por
dia.
Em nota, o Ministério
da Integração Nacional rebateu às críticas. O governo afirma que o termo
"transposição" é errado e defende que a obra é um projeto de
integração. "Em uma transposição, o curso do rio é desviado, enquanto que
na integração são realizadas obras para integrar as bacias do Rio e levar água
aos 390 municípios do projeto, por meio de túneis, adutoras, estações de
bombeamento e barragens", diz a nota.
Quanto ao prazo, o
ministério afirmou que a obra é a maior de infraestrutura hídrica do país e uma
das 50 maiores do mundo. "O prazo de
conclusão da obra é perfeitamente compatível com a dimensão e complexidade do
empreendimento", diz a pasta. "China, Estados Unidos, Espanha, África
do Sul e outros países levaram, em média, 15 anos para concluir iniciativas
semelhantes. A experiência brasileira foi iniciada em 2008 e será finalizada em
2015, num prazo de sete anos."
Quanto à maior
polêmica, referente aos principais beneficiados pela obra, o governo afirma que
não tem como dimensionar o tamanho do impacto no agronegócio, pois a atenção
das obras estariam voltadas para a população. "A outorga do Projeto de
Integração do Rio São Francisco é destinada prioritariamente para o consumo humano
e dessedentação [matar a sede] animal. Portanto, não há como esta Pasta
estimar custos e benefícios da produção agrícola", diz a nota.
O ministério afirma
ainda que serão 12 milhões de
pessoas impactadas nos estados de
Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte, e informa que as propostas apresentadas por entidades
civis, como a ASA, foram analisadas e descartadas. "Conforme Relatório
de Impacto Ambiental (RIMA), o Projeto de Integração do Rio São
Francisco foi a mais consistente alternativa estrutural para o fornecimento
garantido e adequado de água à região". O governo afirma ter estudado
hipóteses como o uso de águas
subterrâneas, dessalinização de águas, a integração com outras bacias
hidrográficas e a implantação de novos açudes, porém as obras de infraestrutura
no São Francisco foram mais bem sucedidas quando se considerou a produtividade
e adaptação às condições locais.