Organizações e
movimentos da sociedade civil repudiam acordo
Assinado entre as
mineradoras Samarco/Vale/BHP e os Poderes Públicos
O Comitê Nacional em Defesa dos
Territórios frente à Mineração e
a Articulação Internacional
dos Atingidos e Atingidas pela Vale repudiam o acordo firmado
entre as mineradoras Samarco, Vale e BHP e os poderes públicos federais e
estaduais. O acordo, se homologado pelo juiz da 12a Vara Federal da Sessão
Judiciária de Minas Gerais, encerra a ação civil pública que está sendo movida
contra as empresas pelas violações de direitos humanos, sociais e ambientais
decorrentes do rompimento da barragem de rejeitos do Fundão, em Mariana, no dia
5 de novembro de 2015.
Nesta quarta-feira, dia
2 de março, uma cerimônia realizada no Palácio do Planalto formalizou
publicamente o acordo firmado entre as mineradoras e os poderes públicos. Desde
a semana passada, o Comitê e a Articulação vêm monitorando o andamento das
negociações deste acordo extrajudicial. A minuta do acordo foi divulgada no
último dia 24 pela Agência Pública, em matéria intitulada “Samarco, Vale e BHP
vão decidir quem e como indenizar por desastre”. Dentre as partes do acordo,
constam Governo Federal, o Estado de Minas Gerais e o Estado do Espírito Santo,
o Ministério Público Federal, os Ministérios Públicos dos Estados de Minas
Gerais e do Espírito Santo, além de diversos órgãos federais e estaduais de
fiscalização, regulação e monitoramento ambientais, como o Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), o Departamento
Nacional de Produção Mineral (DNPM) e a Agência Nacional de Águas (ANA).
O acordo impacta
severamente a população dos municípios afetados pelo desastre, em Mariana e ao
longo de toda a bacia do Rio Doce. Ele cria uma Fundação privada que confere às
mineradoras o poder de tratar de cada violação de direitos humanos, sociais,
econômicos, culturais e ambientais no varejo. A Fundação, financiada pela
Samarco, Vale e BHP, irá acertar o valor das indenizações com cada um dos
atingidos, de maneira isolada, e poderá contratar advogados caso os atingidos
discordem da indenização proposta. Isto significa que as empresas responsáveis
pelo desastre e pelas violações de direitos humanos dele decorrentes propõem e
negociam um valor de indenização. Se não for aceito pelos atingidos e
indiretamente impactados, estes podem se utilizar de advogados custeados pela
própria Fundação para processar ela mesma. Esse mecanismo viola frontalmente as
garantias do devido processo legal.
Esse é apenas um dos
mecanismos perversos que este acordo pretende implementar, o qual não contou
com a presença de atingidos ou de movimentos sociais em sua elaboração. Foi
feito totalmente às escuras, e sua divulgação apenas veio à tona com matéria
realizada pela Agência Pública. Este acordo é uma afronta aos direitos de todas
as pessoas que sofrem com os efeitos deste desastre em suas vidas. E a ideia de
que tudo possa ser 'resolvido' a portas fechadas entre as empresas e o poder
público é uma afronta à coletividade. A extinção da ação civil pública por meio
de um acordo desse tipo convém apenas às empresas, pois assinado o acordo e
homologado não existe recurso que possa desfazê-lo. E com as partes autoras
implicadas no acordo, não há como recorrer.
O acordo também viola os
direitos de comunidades indígenas e tradicionais afetadas ao longo da bacia do
Rio Doce. Essas comunidades não foram igualmente comunicadas da existência
desta negociação, o que frontalmente viola o seu direito à consulta livre,
prévia, e informada, garantido pela convenção 169 da Organização Internacional
do Trabalho (OIT).
Os programas executados
pela Fundação seriam fiscalizados por um Comitê Inter federativo, composto por
representantes dos poderes executivos estaduais e federal. Da análise da minuta
divulgada pela imprensa, se depreende que este Comitê exerce dois papéis: um
relacionado ao apoio e definição das atuações da Fundação na elaboração e
execução dos programas, e outro relacionado à fiscalização da execução destes
mesmos programas. Há, contudo, o temor de que a independência de atuação de
órgãos de regulação e fiscalização, como o IBAMA, o DNPM, a ANA, bem como
órgãos estaduais do Espírito Santo e Minas Gerais, seja constrangida pelos
termos do acordo.
A minuta do acordo
divulgada na quarta-feira estimava o valor dos danos em 20 bilhões de reais,
mas, segundo as informações divulgadas pela imprensa na última sexta-feira, a
versão atual do acordo implica o pagamento de apenas 4,4 bilhões de reais nos
primeiros três anos, de forma parcelada. O montante restante, de valor ainda
incerto, seria desembolsado ao longo de dez anos. Segundo informações
repassadas pela Assessoria de Imprensa da Advocacia Geral da União ao Comitê em
Defesa dos Territórios Frente à Mineração, a minuta divulgada pela Agência
Pública estaria defasada em relação às negociões mais recentes, mas a falta de
transparência e de prestação de contas por parte dos governos federais e
estaduais e dos órgãos públicos implicados foi tamanha durante todo este
processo, que os movimentos e organizações da sociedade civil sequer tiveram
acesso aos termos atualizados deste acordo. Ou seja, uma negociação que impacta
a vida de milhões de pessoas ao longo de toda a bacia do Rio Doce correu, até o
final, completamente blindada e sem nenhum diálogo com as vítimas.
O mundo inteiro
testemunhou a vida de milhares de pessoas sendo devastadas por essas empresas.
Com a assinatura deste acordo, a violação de direitos humanos, sociais,
econômicos e ambientais torna-se agora um grande negócio.
Os direitos humanos são
inegociáveis, nossa vida e nossa natureza não estão à venda!
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