terça-feira, 8 de março de 2016




ECOLOGIA INTEGRAL x DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Na manhã de domingo passado, logo depois da celebração eucarística, fui abordado por um paroquiano nosso, freqüentador assíduo de missa aos fins de semana além de ex-dirigente dos ‘Cursilhos de Cristandade’ e propagandista da Mãe Rainha, imagem itinerante com a capelinha estimulando a devoção mariana nas residências familiares. Ele me perguntando, ou melhor, me questionando: “O que a igreja tem de se meter nessa questão do saneamento básico?”; “Isso não é assunto de política?”;
“Algo para ser resolvido pela Prefeita e pela Câmara Municipal, não tendo nada a ver com a nossa fé e nem com religião!”.

Opiniões como essas assustam a gente pelo fato que desde 1964 se realiza durante a quaresma em todas as dioceses e comunidades católicas a Campanha da Fraternidade, cada ano ‘colocando o dedo numa ferida do tecido social da sociedade brasileira’. Recordando alguns exemplos: 1981 – Saúde para todos / 1983 – Fraternidade sim, violência não / 1986 – Terra de Deus, terra de irmãos / 1987 – Quem acolhe o menor, a Mim acolhe / 1991 – Solidários na dignidade do trabalho / 1999 – Sem trabalho... Por quê? / 2001 – Vida sim, drogas não! / 2011 – A criação geme em dores de parto.
Talvez seja devido ao fraco empenho dum número considerável de paróquias e à deficiente motivação duma parte do clero, talvez também por causa dos movimentos com grande adesão nas últimas três décadas como a Renovação Carismática Católica, que a ‘espiritualização vertical’ dificulta o nosso povo a identificar as tais feridas com as próprias chagas de Jesus de Nazaré agonizante na hora da sua crucificação, sendo vítima inocente duma intriga política articulada pela elite da época.
Entretanto, são 52 anos que a igreja sob a orientação da CNBB procura valorizar o tempo preparatório à grande festa da ressurreição, a Páscoa do Cristo, como um tempo favorável para, através de um trabalho de conscientização com abrangência dum verdadeiro ‘mutirão nacional’ conduzir-nos em direção de uma vida mais plena tanto na dimensão individual quanto na coletiva. A ótica que prevalece está sob o signo da ‘TRANSFORMAÇÃO’, em nome da ‘Nova Terra e do Novo Céu’ seguindo a proposta do Filho unigênito de Deus no evangelho. Em outras palavras, sendo atingidos pelo mistério da dor e da morte do Crucificado, somos convidados a procurar através de exercícios quaresmais correspondendo ao apelo pela conversão, nos esvaziar do supérfluo e do consumismo desenfreado a fim de nos comprometermos com a partilha solidária, nos aproximando mais da generosidade, da gratuidade e da graça divinas.
O lema este ano “Quero ver o direito brotar como fonte e correr a justiça qual riacho que não seca” (Am 5, 24) e o tema “Casa comum, nossa responsabilidade” focando principalmente o saneamento básico, apontam para a ECOLOGIA INTEGRAL e não a meramente ambiental. Estão em sintonia com a encíclica Laudate Si do papa Francisco, que também propõe uma abordagem ecológica integral: todas as coisas e seres do mundo como realidades inter-relacionadas, formando um grande todo. Não se pode falar de ecologia ambiental adequadamente sem falar de ecologia humana, de economia, de justiça social, de ética. Como lembra o papa: “o grito da terra é também o grito dos pobres”. Com efeito, quando não se cuida do meio ambiente, quem mais sofre as conseqüências são os mais vulneráveis. É o que demonstra também a Campanha da Fraternidade, ao tratar da falta de saneamento e de doenças daí provocadas.
A rica expressão do profeta Amós escolhida para a chamada de atenção surgiu num contexto de muita religiosidade e pouca justiça social. O profeta adverte que cultos com esplêndidas liturgias, mas desligados da justiça e até servindo para disfarçar e desculpar ou ocultar injustiças, opressões e egoísmo, são rejeitados e detestados por Deus.

A degradação da ‘casa comum’ é decorrente da ganância desmedida e da voracidade produtivista, as quais não só retiram da natureza mais do que é necessário para viver e do que ela pode dar, como também produzem lixo e poluição que a destoem. A degradação humana, a degradação ética e a degradação ecológica estão intimamente ligadas.

Para apaziguar a consciência, investe-se num discurso ecológico, da ‘sustentabilidade’ ou do ‘DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL SUPERFICIAL E PALIATIVO, que não muda em nada essa engrenagem econômica perversa!

Por um lado, são realizadas ações pontuais e inócuas a favor da natureza, por outro, ela é destruída, havendo até mesmo o uso do discurso da ‘sustentabilidade’ como forma de marketing, para vender todo tipo de produtos supostamente ecológicos ou para melhorar a imagem de empresas predatórias. Observa-se que muitas vezes basta que os produtos sejam considerados ‘verdes’ para que as pessoas se sintam desresponsabilizadas pelo consumismo e pelo descarte. Ao mesmo tempo, retira-se da idéia de ‘sustentabilidade’ tudo o que significa RENÚNCIA, restando uma superficialidade hedonista, indolor e celebrativa. Esse tipo de postura e atitude é simular à forma de religiosidade denunciada pelo profeta Amós.

IINFORME-SE

A Organização Mundial da Saúde define saneamento como o controle de todos os fatores do meio físico do homem, que exercem ou podem exercer efeito deletério sobre seu bem-estar físico, mental e social. Portanto, é evidente que, pela sua própria definição, o saneamento é indissociável do conceito de saúde.


                                               Padre Chico, terça 01 de março de 2016

Nenhum comentário:

Postar um comentário